"O Sapateiro Do Norte" terça-feira, agosto 14, 2007 |
Olhas o céu pela noite e ao observar as estrelas lembraste, porque leste numa qualquer revista, que algumas das estrelas que vês a pontilhar o céu, qual picotado que fazias na escola primária, não existem. E sentes-te confuso: como poderá algo que vês, que poderias tocar se os teus braços esticassem até lá, não existuir? E dizem-te que devido às estrelas se encontrarem a milhões de quilómetros de distância, a imagem delas demora a chegar aos teus olhos, e demora tanto, que quando chega realmente, e a vês, a sua fonte já se extinguiu, à igualmente muitos milhões, mas de anos aqui. E sentes-te infinitamente pequeno, ao ponto da imperceptibilidade, neste espaço do infinitamente grande. Dizem-te então para que estiques a tua compreensão e imaginação, em vez dos braços, e ver como é possível tocares as estrelas, mesmo que, como leste, já não existam. E sentes-te maior, infinitamente pequeno, mas maior.
Ouves esta música e prestas atenção aos acordes, e, mais atentamente, ao modo como os juntaram e ligaram nesta música, e nesta em especial. E é como se os já tivesses ouvido, mas noutra música, ligados de outro modo, daquele modo subtil que te fez não reparar. Pensas para ti que esta música não existiria nunca se as violas tivessem uma sétima, ou oitava corda, mais graves. E enquanto o pensas, ficas satisfeito e radiante por as violas terem seis, e seis cordas apenas. Nem sete, nem oito. Transpões este pensamento para as pessoas e perguntas-te se aquela pessoa existiria se não se tivesse escondido do que não se dizia, e se aquela outra existiria se não tivesse feito das palavras um amontoado de pedras esquecidas no lugar entre o coração e a boca. Questionas-te ainda se o teu vizinho do primeiro esquerdo existiria sem aquela alma enfraquecida, e se aquela senhora do autocarro existiria se não viesse carregando, com as suas mãos enrugadas, aqueles sacos das compras. E sentes que o teu vizinho reclama por um esteio, e que a senhora necessita de um ferro de engomar – talvez ela levasse um escondido num dos seus sacos, pensas tu quando lhe sorris. E, como com a música, ficas radiante que assim seja.
Voltas a ouvir esta música, prestando agora atenção à letra. Notas que, apesar dos teus conhecimentos de inglês serem bastante razoáveis, não consegues apreender uma grande parte do que é proferido. Gostavas de conhecer a letra, mas devido à forma como é dita, parece-te mais um instrumento, a juntar á viola de seis cordas, e ignora-la como letra da música. Ignora-la mas, não sabes porquê, ela lembra-te um excerto que adoras, de um teu conhecido, que diz «Como são belos os guarda-fatos. Cada cabide, um mostro social que nos aperta as entranhas e nos diz: ‘Hoje serás as riscas desta camisa.”. A luz quebrada, não sei se a óleo se eléctrica, risca-me o ombro até à cintura. Uma parte de mim está na penumbra, a outra parte está num espelho.»
Pensas isto e recordaste de um sonho que tiveste enquanto falavas com um teu colega de turma: o de conhecer todas as combinações possíveis entre as palavras do léxico português. Ficas radiante, à medida que acrescentas mais umas combinações às que já conheces, com a possibilidade de concretizar esse sonho, que sabes, no entanto, e à partida, ser inatingível.
Escreves tudo isto e apercebes-te de que te sentes espectador. Que, se a vida é um teatro, como ouviste dizer, tu te sentes o espectador que não pagou bilhete para ver a peça. Tens o desejo de irromper pelo palco e ser actor, mas a maior parte das vezes preferes assistir apenas, da fila da frente. Sabes que nem sempre és actor, mas sabes também que é redundante uma actuação para público nenhum, mesmo que seja apenas um.
Perguntas-te se te encontras na penumbra, ou no espelho.
E continuas, como fazias, sem o saber, no entanto, na escola primária, a picotar as tuas ursa-maiores e estrelas polares no teu caderno; e a trazer para mais perto o teu sonho.
Ouves esta música e prestas atenção aos acordes, e, mais atentamente, ao modo como os juntaram e ligaram nesta música, e nesta em especial. E é como se os já tivesses ouvido, mas noutra música, ligados de outro modo, daquele modo subtil que te fez não reparar. Pensas para ti que esta música não existiria nunca se as violas tivessem uma sétima, ou oitava corda, mais graves. E enquanto o pensas, ficas satisfeito e radiante por as violas terem seis, e seis cordas apenas. Nem sete, nem oito. Transpões este pensamento para as pessoas e perguntas-te se aquela pessoa existiria se não se tivesse escondido do que não se dizia, e se aquela outra existiria se não tivesse feito das palavras um amontoado de pedras esquecidas no lugar entre o coração e a boca. Questionas-te ainda se o teu vizinho do primeiro esquerdo existiria sem aquela alma enfraquecida, e se aquela senhora do autocarro existiria se não viesse carregando, com as suas mãos enrugadas, aqueles sacos das compras. E sentes que o teu vizinho reclama por um esteio, e que a senhora necessita de um ferro de engomar – talvez ela levasse um escondido num dos seus sacos, pensas tu quando lhe sorris. E, como com a música, ficas radiante que assim seja.
Voltas a ouvir esta música, prestando agora atenção à letra. Notas que, apesar dos teus conhecimentos de inglês serem bastante razoáveis, não consegues apreender uma grande parte do que é proferido. Gostavas de conhecer a letra, mas devido à forma como é dita, parece-te mais um instrumento, a juntar á viola de seis cordas, e ignora-la como letra da música. Ignora-la mas, não sabes porquê, ela lembra-te um excerto que adoras, de um teu conhecido, que diz «Como são belos os guarda-fatos. Cada cabide, um mostro social que nos aperta as entranhas e nos diz: ‘Hoje serás as riscas desta camisa.”. A luz quebrada, não sei se a óleo se eléctrica, risca-me o ombro até à cintura. Uma parte de mim está na penumbra, a outra parte está num espelho.»
Pensas isto e recordaste de um sonho que tiveste enquanto falavas com um teu colega de turma: o de conhecer todas as combinações possíveis entre as palavras do léxico português. Ficas radiante, à medida que acrescentas mais umas combinações às que já conheces, com a possibilidade de concretizar esse sonho, que sabes, no entanto, e à partida, ser inatingível.
Escreves tudo isto e apercebes-te de que te sentes espectador. Que, se a vida é um teatro, como ouviste dizer, tu te sentes o espectador que não pagou bilhete para ver a peça. Tens o desejo de irromper pelo palco e ser actor, mas a maior parte das vezes preferes assistir apenas, da fila da frente. Sabes que nem sempre és actor, mas sabes também que é redundante uma actuação para público nenhum, mesmo que seja apenas um.
Perguntas-te se te encontras na penumbra, ou no espelho.
E continuas, como fazias, sem o saber, no entanto, na escola primária, a picotar as tuas ursa-maiores e estrelas polares no teu caderno; e a trazer para mais perto o teu sonho.