de todos os dias
ouço o despertador tocar: são 8h27. acordo, mas não me levanto. adio por mais um pouco o início do dia. por fim, encho-me de coragem e ergo-me da cama. procuro-me no sofá e perguntou-me de que me vou vestir hoje. é indiferente, penso, desde que me tape. pego nas calças e na camisola de ontem, amarrotadas e com vincos do que tenho sido. olho-me no espelho e reconheço-me em alguém, na pessoa que olhou o espelho ontem. visto-me sempre com as mesmas peças de roupa, só me mudam as riscas.
ao sair de casa encontro-me com o meu vizinho de baixo. dou-lhe os bons dias, por educação, e ele responde, pelo mesmo motivo. não sei que opinião tem ele acerca do que penso dele. vou pensando nisso e continuo a caminhar. dobro a esquina e, à medida que o deixo de ver, esqueço-me dele e do que vinha a pensar.
dirijo-me ao minimercado e, mais uma vez, por educação e conveniência, dou os bons dias a quem quiser ouvir. responde-me quem quis responder. olho a senhora atrás da caixa registadora e, antes que tenha tempo de abrir a boca e fazer o meu pedido, ela pergunta: "são viagens?". detenho-me no pedido que ia fazer e respondo que sim, são.
sento-me na paragem do autocarro e espero pelo primeiro que passe, pode ser que me sirva. entro no segundo que passa.
no regresso a casa volto a lembrar-me do meu vizinho e do seu ar triste, para logo me esquecer.
é noite e vou deitar-me: dispo-me para cima do mesmo sofá de onde me levantei pela manhã e caio na cama.
penso no tempo que passa e no tempo que fez. em como é fácil apanhar um autocarro, bastando para isso esticar o braço ou, esperar que alguém o tenha feito. penso no porquê de ter esperado que alguém carregasse no botão "STOP" no autocarro para sair na paragem onde me convinha sair. penso nas senhoras que conversavam.
penso na senhora que não me deixou pedir as viagens... e espero que amanhã as possa pedir eu.